O contrato de parceria/prestação de serviço da Uber configura uma nova forma de exploração de mão de obra, em que o suposto prestador de serviço, no caso o motorista, não tem nenhum benefício e não possui liberdade contratual.
Com esse entendimento, o juiz do trabalho Vladimir Paes de Castro, da 13ª Vara do Trabalho de Fortaleza (CE), anulou o contrato de parceria/prestação de serviços entre um motorista e a Uber, e condenou a plataforma de tecnologia a anotar a carteira de trabalho e a pagar verbas rescisórias, além de indenizar o trabalhador em R$ 5 mil por danos morais.
“Trata-se, em regra, de trabalhadores subordinados como outro qualquer, submetidos aos direcionamentos da empresa digital, trabalhando muitas horas diárias em favor da plataforma, sobrevivendo de seu labor como motorista de aplicativo, cuja atividade econômica é toda ela gerida pelo algoritmo”, ressaltou, na decisão.
A Uber alegou ser mera facilitadora do encontro do prestador de serviço com o passageiro. De acordo com a plataforma, o fato de o motorista receber maior percentual – de 75% a 80% – do valor pago pelo cliente descaracteriza o vínculo empregatício.
Para o magistrado, a forma de divisão dos valores não poderia ser diferente, uma vez que a Uber dirige o negócio, mas exige que o motorista forneça veículo, combustível, celular, além de toda manutenção do automóvel.
“Logicamente que o percentual maior deve ser destinado ao motorista, que além de prestar o labor, em regra, de forma subordinada, trabalhando dezenas de horas semanais, ainda tem que arcar com todos os custos relacionados ao fornecimento do veículo”, afirmou.
A sentença cita jurisprudência internacional que reconhece a existência de vínculo trabalhista entre motoristas e plataformas digitais. O Tribunal de Justiça da União Europeia já reconheceu que a atividade econômica primordial da Uber é a prestação de serviços de transporte, e não de uma plataforma de economia compartilhada.
“Novas roupagens da relação de trabalho surgem no mercado de trabalho, decorrentes do avanço tecnológico, mas permanece a matriz regulatória do Direito do Trabalho, sendo que de forma patente trata-se de uma relação entre uma empresa que dirige e controla toda a atividade econômica e, por outro lado, milhões de trabalhadores que vendem sua mão de obra para realizar uma atividade laboral”, pontuou o magistrado.
Assim, concluiu que estão presentes todos os requisitos do contrato de trabalho estabelecidos na legislação trabalhista, principalmente a subordinação jurídica. Além de anular o contrato e reconhecer o vínculo de emprego, condenou a empresa a assinar a carteira de trabalho.
Considerando que ele foi desligado sem justificativa e sem justa causa, mandou pagar as verbas rescisórias. Da decisão, cabe recurso.
Outro lado
Em nota, a Uber se manifestou afirmando que vai recorrer da decisão, que não representa a principal tendência de julgamentos sobre o tema nos tribunais doa país. Leia a íntegra da nota enviada ao ConJur:
“A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 13ª Vara do Trabalho de Fortaleza, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros processos já julgados por Tribunais Regionais e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) – o mais recente deles em novembro de 2021.
Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos requisitos legais para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 2.500 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma.
Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.
O TST já reconheceu, em cinco julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Em novembro de 2021, a 4ª Turma afastou o vínculo sob o entendimento de que motoristas trabalham “sem habitualidade e de forma autônoma” e que não existe “subordinação jurídica entre o aplicativo e o trabalhador”. Em maio, a 5ª Turma já havia afastado a hipótese de subordinação de um motorista com a empresa porque ele podia “ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse” e “se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse”.
Outro julgamento de 2021, em março, decidiu que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe “autonomia ampla” do parceiro para escolher “dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”.
Esse entendimento vem sendo adotado pelo TST desde 2020, com decisões em fevereiro e em setembro. Também o STJ (Superior Tribunal de Justiça), desde 2019, vem decidindo que os motoristas “não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício” – a decisão mais recente neste sentido foi publicada em setembro de 2021.” Com informações da assessoria de imprensa do TRT-CE.
ATSum 0000527- 58.2021.5.07.0013
Fonte: Jusbrasil.com