O Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, da Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), manteve decisão que concedeu a tutela antecipada para que a União forneça a uma criança de 7 anos, portadora de Distrofia Muscular de Duchenne, o medicamento Translarna (Ataluren), garantindo o fornecimento contínuo ao tratamento da doença nas quantidades descritas no relatório médico.
A Distrofia Muscular de Duchenne é uma doença genética degenerativa que atinge a musculatura esquelética comprometendo força e movimentos. O quadro leva os afetados à cadeira de rodas no início da adolescência e provoca o óbito por volta dos 25 anos, numa proporção de 75% dos doentes. Atinge um para 3.500 nascimentos do sexo masculino, o mais alcançado pela doença.
Para o magistrado, a gravidade da doença – mortal, ao longo dos anos – e a urgência da demanda do autor, um menino de 7 anos, envolve o direito à saúde, que é cuidado como matéria constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Apresentando jurisprudência consolidada pelo Supremo, Di Salvo destacou que fornecer atendimento médico e remédios é dever constitucional do Estado. “O preceito do artigo 196 da Constituição Federal assegura aos menos afortunados o fornecimento, pelo Estado, dos medicamentos necessários ao restabelecimento da saúde”.
Acrescentou que o STF tem orientado ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), desde que reste comprovação de que não haja outra opção de tratamento eficaz para a enfermidade.
Eficácia
No recurso interposto no TRF3, a União sustentou a ocorrência de violação da eficácia vinculante do julgado proferido pelo STJ no RESP repetitivo nº 1.657.156 (Tema 106), segundo a qual se exige, dentre outros requisitos cumulativos, o registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que se possa concedê-lo mediante ordem judicial.
No entanto, para o relator do processo, o fato do medicamento não estar aprovado pela Anvisa não proíbe o seu uso no tratamento da criança. Ele salientou que o remédio obteve aprovação para uso e comercialização em mais de 31 países, depois de obter registro na Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
Segundo ele, apesar da discussão do Tema 106 no STJ sobre se o Poder Público está ou não adstrito a fornecer medicamento de alto custo não aprovado ainda pela Anvisa, a questão está aberta no STF, por se cuidar de matéria constitucional.
Logo, em respeito ao Tema 106 do STJ, caberia apenas identificar se o medicamento é comprovado para o tratamento pretendido e se a parte teria capacidade financeira para suportar o tratamento.
Na decisão, o magistrado ressaltou que o medicamento é o ideal para tratamento e que há prova suficiente, conforme laudo médico da neurologista pediátrica descrevendo com detalhes a situação da criança e os potenciais agravamentos que podem leva-lo até mesmo a morte se não se adotar o tratamento reclamado. “O SUS fornece apenas paliativos para a doença, e ainda assim somente em alguns Estados da Federação”.
Quanto ao custeio, destacou que se trata de medicamento com preço muito além do patrimônio de qualquer brasileiro comum. Explica que o pai da criança tem apenas o curso fundamental incompleto e trabalha como sushi-man e não se sabe onde poderia arranjar quase R$ 2 milhões para o tratamento.
Ao indeferir o pedido de efeito suspensivo da União, o Desembargador Federal disse que era relevante e plausível a concessão da medicação à criança de 7 anos, pois se tratava de indivíduo vulnerável, conforme preconiza o artigo 7º, do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”, concluiu.
Fonte: TRF-3ª