Uma decisão final do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul) afastou a tributação sobre pagamentos de serviços técnicos contratados no exterior. O entendimento derrubou a nova tese defendida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para cobrar 15% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).
A PGFN vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a decisão, que pode ser usada por outras empresas para tentarem obter o mesmo resultado. A decisão beneficia a Ambev, que entrou com mandado de segurança preventivo contra a tributação.
A companhia foi à Justiça para deixar de recolher o Imposto de Renda sobre valores remetidos à AB Inbev, na Bélgica. O caso envolve serviços de “procurement” (pesquisa e seleção de fornecedores de insumos).
A decisão é relevante para quase todas as companhias que pagam por serviços prestados por empresas localizadas em país com o qual o Brasil tem tratado para evitar a bitributação.
Entre as multinacionais, por exemplo, é comum contratar serviços de filiais ou da matriz no exterior. Ou depois de importar uma nova máquina contratar o treinamento dos funcionários brasileiros. Nessas situações, as empresas alegam não incidir IRRF por não haver transferência de tecnologia no serviço.
No processo da Ambev, a PGFN alega que a remessa à empresa belga por serviços técnicos de “procurement” enquadra-se na definição de pagamento por royalties, tributados no Brasil a 15%. Segundo a nova tese do órgão, em diversos tratados internacionais para evitar a bitributação, os royalties incluem serviços técnicos ou de assistência técnica.
Dos 32 tratados assinados pelo Brasil, 27 têm essa previsão em protocolos. As exceções são os acordos firmados com a Áustria, França, Finlândia, Japão e Suécia.
A tese da Fazenda surgiu após duas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desfavoráveis à PGFN. Até então, o órgão alegava que essas remessas equivaleriam a “rendimentos não expressamente mencionados no acordo internacional”.
Segundo James Siqueira, procurador da Divisão de Acompanhamento Especial da Fazenda da 3ª Região, o principal objetivo agora é levar o tema mais uma vez ao STJ, mas sob novo enfoque, para mostrar a violação aos tratados assinados pelo Brasil.
“Tão lesiva quanto a dupla tributação é nenhum dos dois países realizar sua competência tributária”, diz Siqueira. “Começamos a ver que algumas empresas, com base na jurisprudência que vem se firmando, começam a realizar planejamentos tributários agressivos com tais remessas”.
Ao analisar o processo da Ambev, os desembargadores da 4ª Turma do TRF da 3ª Região, ao contrário do que sustenta a União, entenderam que o item 6 do protocolo do acordo firmado entre Brasil e Bélgica não objetiva expandir ou adulterar o conceito de royalties. Apenas incluir, expressamente, a prestação de serviços técnicos no tratado.
“O mencionado item protocolar precisa ser analisado com parcimônia pelos Estados signatários, não devendo conduzir a deturpações do acordo, sob pena de que este perca seu efeito principal”, diz a decisão.
Os magistrados também entenderam que a disposição deve ser entendida apenas para casos limítrofes em que, embora o contrato seja de prestação de serviços, haja alguma forma, mesmo complementar ou instrumental, de transferência de tecnologia ou know-how. “Não é o caso dos autos, em que a empresa estrangeira só aplica seu conhecimento para realizar suporte técnico.”
“O importante dessa decisão é que ela deixa claro que não é qualquer serviço que é técnico. Royalties são relativos a serviço que envolve tecnologia”, afirma o advogado Luiz Felipe Centeno Ferraz, do Mattos Filho Advogados. O tributarista critica o alargamento do conceito de serviço técnico pela Receita Federal.
Em 2014, a Receita editou a Instrução Normativa 1.455 pela qual serviço técnico é “a execução de serviço que dependa de conhecimentos técnicos especializados ou envolva assistência administrativa ou prestação de consultoria, realizado por profissionais independentes ou com vínculo empregatício ou, ainda, decorrente de estruturas automatizadas com claro conteúdo tecnológico”.
O tributarista afirma ter clientes da banca que também entraram com ação judicial, com pedido de liminar, para discutir a incidência do IRRF. “O ideal é propor medida judicial de modo preventivo. Esperar a autuação fiscal é complicado porque o banco, responsável por checar se o imposto foi recolhido, pode se recusar a fazer a remessa de dinheiro ao exterior”, diz Ferraz.
As instituições financeiras são as mais preocupadas com a questão, de acordo com Fabio Lunardini, do Peixoto & Cury Advogados. “Justamente porque o banco sempre solicita a prova da retenção do IRRF. Sem isso, fica reticente em fazer a operação”, afirma.
Lunardini diz sempre chamar a atenção para o Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal nº 5, de 2014, nos pareceres do escritório. A norma estabelece que o tratamento tributário dos rendimentos pagos ao exterior pela prestação de serviços técnicos, com ou sem transferência de tecnologia, será aquele previsto no acordo internacional: “No artigo que trata de royalties, quando o respectivo protocolo contiver previsão de que os serviços técnicos e de assistência técnica recebam igual tratamento, na hipótese em que o acordo autorize a tributação no Brasil”.
Para Mauro Berenholc, do Pinheiro Neto Advogados, o fundamental é deixar claro se os valores enviados ao exterior são royalties ou lucro da empresa no exterior que prestou o serviço. “Havendo protocolo ou não, apenas se o serviço envolver tecnologia pode incidir IRRF. Serviços técnicos são os relacionados à tecnologia, ou até o serviço do encanador, eletricista, ou mesmo do advogado seriam assim enquadrados”, diz. “Pela regra geral da tributação do lucro, só a prestadora de serviço no exterior é sujeita ao tributo, no país dela”.
Procurada pelo Valor, a Ambev informou que não comenta processos em andamento.
Laura Ignacio – De São Paulo