Com regras de trânsito mais rígidas, multas mais caras e fiscalização intensificada pelo uso de radares, fica cada vez mais claro que trânsito é lugar para se estar atento e ser cuidadoso — do contrário, a multa é praticamente certa.
Infelizmente, em alguns casos, mesmo quem seguir as regras pode acabar sendo multado por conta de alguma falha no registro da infração. E ainda existem situações específicas nas quais uma penalidade devida pode ser “perdoada”. Mas você sabe como recorrer da multa nestes casos?
A lei prevê a possibilidade de recurso para solicitar a anulação da multa. E qualquer cidadão pode fazer isso, inclusive pela internet, sem ter de apelar para os serviços de um advogado ou despachante — que podem ser muito úteis, mas têm seu custo.
“Muitos recursos têm chances reais. Os que obtêm sucesso são os que apontam alguma circunstância que desqualifica formalmente a autuação, como indicação errônea do veículo, da rua, data e horário, bem como expedição da notificação de multa após 30 dias da data do fato”, avalia o advogado Fernando Shimidt de Paula, professor de direito da Universidade Metodista de São Paulo.
“Geralmente, são aceitos os recursos que apontem circunstâncias justificadoras, como o excesso de velocidade e o estacionamento em local proibido [feitos] para socorrer alguém enfermo”, complementa.
Perdão da multa
Existe uma situação específica para que a multa possa ser “perdoada”. Se for infração leve ou média e o condutor não for reincidente da mesma infração nos 12 meses anteriores, ele pode solicitar ao órgão de trânsito a substituição da multa por uma advertência por escrito, ficando livre do pagamento e sem os respectivos pontos na carteira de habilitação.
Esse pedido, no entanto, não tem garantia de aprovação e deve ser feito dentro do prazo estabelecido.
Passo a passo para recorrer de multa
1. Documentos necessários: além dos documentos relacionados à defesa (comprovantes de estacionamento, pedágio, atestados), o motorista precisa apresentar o requerimento de defesa/recurso (pode ser feito à mão ou digitado em papel comum) cópias simples da CNH, RG ou equivalente, do CRVL (Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo) e da notificação de autuação ou penalidade (multa).
2. Prazo: começa a ser contado recebimento da notificação da multa, que obrigatoriamente tem de ser emitida em até 30 dias após a data da infração, sob pena de ser invalidado.
Por padrão, a multa é gerada em nome do proprietário do veículo, exceto nos casos em que o infrator é abordado e identificado, nas chamadas infrações administrativas, como rodar com o licenciamento vencido.
Somente no primeiro caso é possível indicar o real infrator, no prazo de até 15 dias a partir da expedição da notificação. O processo de indicação nas multas geradas pelo Detran-SP, por exemplo, também pode ser feito pela internet.
Vale lembrar: pagar a multa dentro do prazo dá direito a um desconto de 20% e isso não anula o direito de contestá-la. Se o recurso for aceito (deferido), o cidadão pode pedir ao órgão de trânsito o reembolso do valor pago.
De acordo com professor Shimidt de Paula, enquanto durar o processo de contestação de multa, considerando todas suas instâncias, não poderá ser cobrada moratória sobre o valor da multa nem ser imposta qualquer restrição ao veículo, “inclusive para fins de licenciamento e transferência”.
3. Se quiser um advogado/despachante?: se o advogado for representar o cliente no pedido de recurso, será necessário apresentar procuração. Apenas para protocolar o recurso feito pelo cliente não é requisitada a procuração.
A procuração deve ser feita por “instrumento público vigente ou particular”, com reconhecimento de firma por autenticidade ou semelhança, emitida nos últimos três meses. Além disso, é preciso apresentar cópia simples do documento de identificação pessoal do procurador.
4. Como recorrer: o cidadão terá chances de ter a defesa ou o recurso aceito (deferido) se comprovar que a autuação foi improcedente. Isso pode ser feito ao indicar a existência de erros na notificação, como divergência de marca ou cor do veículo e local da infração inexistente.
Também é possível pedir o cancelamento ao comprovar que o veículo não circulou no local onde a infração supostamente foi flagrada. Quanto mais provas materiais forem anexadas, melhor: tíquete de estacionamento e comprovante de pedágio com a hora de passagem, por exemplo, são comprovantes de que determinado veículo não estava no local e no horário da emissão da multa.
Fotografias e atestados médicos, no caso de o motorista ser multado por alta velocidade durante emergência médica, por exemplo, também são importantes.
Mas o professor Fernando Shimidt de Paula alerta: “Alegações falsas podem configurar crimes, como falsidade ideológica e falsidade material, que são atos ilícitos mais graves que infrações de trânsito”.
Também ajuda embasar os argumentos na legislação de trânsito relacionada à infração, mais isso não é um requisito obrigatório. O CTB está disponível para consulta no link oficial do site do Palácio do Planalto.
O processo para contestar uma multa é regulamentado pelo CTB (Código de Trânsito Brasileiro) e vale em todo o país, independentemente do órgão emissor (federal, estadual, distrital ou municipal) ao qual deve ser encaminhado o recurso.
5. Onde recorrer: são três instâncias — defesa de autuação/defesa prévia, Jari (Junta Administrativa de Recursos de Infrações) e Cetran (Conselho Estadual de Trânsito) ou Contran (Conselho Nacional de Trânsito).
Defesa prévia: ao receber a notificação de autuação, o condutor pode apresentar uma prévia para relatar divergência na marca, modelo, cor ou placa do veículo informado ou endereço errado, incompleto ou inexistente. O prazo para apresentá-la constará na notificação de autuação (no caso de infrações registradas pelo Detran-SP, o período é de até 30 dias). Quando aceita a defesa prévia, a autuação é arquivada. Se a defesa for negada (indeferida), será gerada a multa, com o envio da notificação de penalidade de multa (boleto para pagamento).
Recurso de multa à Jari: o cidadão deve aguardar a chegada da segunda notificação de multa para recorrer à Jari do órgão autuador. Essa nova notificação é a multa propriamente dita e traz o boleto para pagamento. O recurso de multa à Jari pode contestar erros formais na elaboração da autuação, o motivo (mérito) da infração ou o indeferimento da defesa prévia. O recurso é avaliado pela Jari, em primeira instância.
O prazo para apresentar o recurso será o mesmo de vencimento do boleto. Se o pedido for deferido, a multa será cancelada; se for indeferido, a multa será mantida.
Recurso ao Cetran/Contran: o novo recurso será avaliado, em 2ª instância, pelo Cetran ou pelo Contran. O prazo para recorrer é de 30 dias seguidos a partir da emissão do indeferimento da Jari.
Alessandro Reis
Colaboração para o UOL, em São Paulo (SP)