A falta de uniformização para a contagem dos prazos nas recuperações judiciais tem provocado turbulências na tramitação dos processos. Especialmente quando envolvem ações de execução contra as empresas devedoras, que, pela lei, deveriam ficar suspensas por um período máximo de 180 dias.
Os problemas começaram com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (CPC), no último ano. Isso por conta de uma regra que determina a contagem dos prazos processuais em dias úteis e não mais em dias corridos – o que, na prática, sem incluir fins de semana e feriados, torna os períodos mais longos.
Hoje existem três interpretações possíveis no Judiciário: a que mantém a contagem dos prazos previstos para a recuperação em dias corridos, já que a lei específica, que regula esses processos, não foi alterada; uma outra que permite o cálculo em dias úteis, conforme o novo CPC; e ainda a parcial, com a contagem em dias úteis para algumas situações e dias corridos para outras.
Nessa terceira hipótese, o que diferencia, segundo os julgadores, é se a situação é meramente processual (que tem relação com os atos para o desenvolvimento do processo) ou se envolve direito material (como pagamentos e cumprimento de obrigações).
Na prática, porém, dividir uma de outra situação – para efeitos de contagem dos dias – pode gerar complicações ao processo de recuperação como um todo. E, com base nisso, surge mais uma tese.
Em decisão recente, o juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo, Daniel Carnio Costa, entendeu pela contagem dos prazos processuais em dias úteis mesmo considerando a suspensão das ações de execução como direito material.
O entendimento de Costa é o de que o período de blindagem concedido às empresas devedoras “tem origem na soma dos demais prazos processuais” da recuperação judicial – entrega do plano, publicação do edital, objeções dos interessados e realização da assembleia-geral de credores (AGC).
“A razão de existir a suspensão das ações de execução contra o devedor é viabilizar que a negociação aconteça de forma equilibrada durante o processo de recuperação, sem a pressão de credores individuais contra os ativos da devedora, como forma de proteger o resultado final do procedimento”, afirma na decisão.
Para Costa a interpretação de que o prazo deve ser contado em dias corridos – enquanto os demais serão contatos em dias úteis – “poderá inviabilizar a realização de AGC e a análise do plano pelos credores e pelo juízo dentro dos 180 dias”.
A decisão do juiz foi proferida nos autos da recuperação judicial de uma empresa do setor de autopeças. A companhia pediu que o magistrado se posicionasse sobre o tema depois de a Justiça do Trabalho autorizar execuções com base na contagem do prazo em dias corridos.
“Está havendo um desencontro de interpretações e essa falta de padronização, tanto na Justiça cível como na trabalhista, tem gerado um tumulto”, diz Marcelo Merlino, do Merlino Advogados.
Permitir que o prazo da suspensão das execuções se esgote antes da aprovação do plano, pela assembleia-geral, poderia comprometer todo o planejamento feito para o pagamento dos credores, complementa o advogado Guilherme Marcondes Machado, sócio Marcondes Machado Advogados. “As consequências são catastróficas”, aponta.
O advogado destaca que as premissas para um plano de recuperação são fluxo de caixa e bens que possam ser vendidos ou que possam gerar determinada renda. “Abrir a porteira no meio do caminho pode fazer com que todo planejamento acabe virando pó.”
Para Machado, torna “absolutamente insegura” a tramitação desse processo. “Imagine que exatamente aquele ativo que seria vendido para o pagamento dos credores pode ser penhorado ou vendido em leilão por causa de uma execução antecipada. Então, que segurança a empresa em recuperação vai ter para definir o seu plano e apresentá-lo em assembleia de credores?”, completa.
Há decisões divergentes sobre esse assunto no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, por exemplo, tem entendimento de que os prazos de suspensão das execuções sejam contabilizados em dias úteis, conforme determina o novo CPC.
“A contagem do prazo em dias úteis oferece contornos objetivos e amplia a oportunidade de a recuperanda cumprir os atos processuais de acordo com a realidade forense”, diz o relator de um dos casos, desembargador Hamid Bdine.
Já na 2ª Câmara há posicionamento pela contagem em dias corridos. O desembargador Ricardo Negrão, em um dos processos julgados, decidiu em favor de um banco ao considerar que a Lei 11.101 [de recuperação e falências] “é taxativa ao disciplinar no artigo 6º, parágrafo 4º, a suspensão de 180 dias improrrogáveis”.
O advogado Fernando Tardioli, do Tardioli Lima Advogados, diz que, apesar de a lei tratar os 180 dias como improrrogáveis e alguns magistrados levarem isso em consideração, esse prazo, na prática, já não é mais tão inflexível – e a questão vem desde antes das discussões sobre o novo CPC.
Ele cita decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para permitir empresas em recuperação estenderem o prazo de 180 dias nos casos em que ainda não tenham aprovado o plano.
“Está se fazendo um malabarismo para interpretar as normas de forma a proteger os devedores”, critica Tardioli. “A Justiça vem permitindo prorrogar o prazo, mas se quer ainda mais tempo. Estamos tendo que conviver com o tudo pelo devedor e nada para o credor.”
Segundo o advogado, nunca se teve dúvidas no meio jurídico sobre a natureza dos prazos, como sendo processual ou material. Tardioli diz que a questão “sempre foi absolutamente pacífica” e “bem-definida”.
Joice Bacelo – De São Paulo