Uma mulher recebeu mais de R$ 50 mil por um erro administrativo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e a Justiça nega devolução do dinheiro aos cofres públicos por entender que os valores foram recebidos de boa-fé. Os depósitos eram destinados a seu irmão falecido, que recebia uma aposentadoria por invalidez, mas, mesmo após a morte, o INSS continuou creditando o benefício, que foi sacado pela autora. Por conta dos saques, que para o INSS foram indevidos, o órgão efetuou descontos dos valores da pensão por morte da mulher.
Segundo a relatora do caso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), desembargadora Cláudia Cristina Cristofani, a mulher, identificada apenas como D.M.C., “informou ao INSS o óbito do verdadeiro segurado. Por falha da autarquia, seguiu-se o pagamento e é possível que ela tenha acreditado que fazia jus ao benefício, após tê-lo comunicado”.
O INSS também terá que devolver o que já foi descontado.
“O STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem aditado o entendimento de que a boa-fé se presume e a má-fé se prova. Ou seja, atribuir má-fé à conduta do réu, mostra-se como medida claramente desproporcional, ao passo que o INSS, órgão federal, reconhecidamente aparelhado de diversos sistemas de fiscalização, deixou de agir, com maior cuidado, à época dos fatos”, escreveu a desembargadora na decisão.
Especialistas avaliam que a decisão do TRF-4, que abrange os estados do Sul, reforça ainda mais o precedente para futuras ações judiciais com o mesmo teor. O advogado Rômulo Saraiva destaca decisões favoráveis aos segurados.
— O TRF-4 é um Tribunal que, de certa forma, é muito propenso ao segurado. Eles têm ideias mais inovadoras. Nos demais, as avaliações são mais legalistas. Ou seja, a escola judicial gaúcha é mais sensível aos direitos sociais — diz Saraiva, segundo o qual não cabe mais recurso.
— Em regra, verbas de caráter alimentar, pagas por erro administrativo, e recebidas de boa-fé pelo segurado, são irrepetíveis, ou seja, não podem ser cobradas pela administração. Esse é o entendimento pacificado pelos Tribunais e que, inclusive, foi discutido pelo STJ, no Tema 979 — explica o advogado Rodrigo Tavares Veiga, acrescentando: — Não se pode penalizar o segurado que recebeu de boa–fé, sem ter contribuído para o erro do INSS, cujos valores tem caráter alimentar, usados portanto para viabilizar a existência digna do cidadão. Além disso, caso haja descontos, de ofício, por parte do INSS, esse ato é ilegal e gera o dever de indenizar pelos danos causados ao segurado.
O caso
Em 2004, uma mulher comunicou ao INSS o falecimento de seu irmão, titular de aposentadoria por invalidez e, ainda assim o benefício foi pago até 30 de abril de 2012. A mulher, então, começou a ter descontos em sua pensão por morte a partir de 2017, por conta dos supostos saques indevidos do benefício de seu irmão.
Foi movida, então, uma ação judicial contra os descontos. A Justiça declarou a inexistência do débito em questão, no valor de R$ 51.203,41, e os descontos foram cessados. O INSS ainda terá que devolver os valores que foram descontados de sua pensão por morte. Não cabe mais recurso.
“Não há, nos autos, qualquer indicativo de que (…) tenha agido com má-fé. Ao contrário, percebe-se, claramente, que diante da dúvida (…) informou ao INSS o óbito do verdadeiro segurado. Por falha da Autarquia, seguiu-se o pagamento e é possível que ela tenha acreditado que fazia jus ao benefício, após tê-lo comunicado”, diz a desembargadora.
Segundo ela, a revisão do pagamento do benefício deve ser realizada pelo INSS, não competindo à autora a sua alteração:
“Não se pode imputar à parte autora o recebimento indevido durante todo o período apenas diante de fato superveniente à revisão tardia. Não juntou o INSS, sequer prova do procedimento administrativo em que revisou ou notificou a parte autora, acerca das parcelas indevidas, tentando, apenas, fazer crer que agia com má-fé.”
Fonte: Jusbrasil.com