O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) permitiu a responsabilização solidária em operações de aquisição de debêntures. Duas turmas julgaram e mantiveram nesta semana autuações fiscais contra uma companhia que incorporou empresas que adquiriram papéis de terceiros – todos os envolvidos com sócios comuns. Ainda cabe recurso à Câmara Superior do órgão.
Advogados que acompanham o Conselho indicam que são raros os casos de responsabilização solidária analisados e mantidos pelo Carf. Por meio das debêntures, as empresas podem captar recursos em condições melhores do que no mercado financeiro.
A Receita Federal questiona as emissões quando entende que só serviram para distribuir lucros ou reduzir a base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) por meio do pagamento de juros.
Para efeitos de tributação, a emissão de debêntures reduz a base tributável da emissora, mas aumenta a da debenturista, a empresa que adquire. Nos casos analisados, as debenturistas foram adquiridas por companhia que tinha prejuízo fiscal, que acabou compensando os valores.
Um dos casos foi julgado pela 1ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção. O caso envolve a Açucareira Zillo Lorenzetti, que emitiu em 2002 debêntures com previsão de pagamento de 50% do lucro mais 12% de juros. A Agrícola Zillo, do mesmo grupo, tinha créditos a receber da empresa e, por isso, integralizou debêntures sem pagamento. Em 2008, a Agrícola Quatá incorporou a Agrícola Zillo.
Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a operação é inadequada por não haver pagamento pelas debêntures, nem investidor externo, já que todas as empresas têm sócios comuns. Segundo o advogado, Julio César Soares, do escritório Dias de Souza Advogados, que defende as companhias, não havia ligação societária entre elas. Eram independentes, acrescentou, apesar dos sócios comuns.
O relator, Luis Fabiano Alvez Penteado, representante dos contribuintes, votou pelo cancelamento da cobrança. Para ele, o fato de não existir ingresso de dinheiro é secundário, pois havia obrigação de pagar valores à debenturista. A conselheira Eva Maria Los, representante da Fazenda, divergiu e foi acompanhada pela maioria, mantendo a cobrança, a multa qualificada de 150% e a responsabilidade solidária dos sócios.
Um caso semelhante, envolvendo emissão de debêntures no mesmo ano, por uma outra empresa do grupo, a Usina Barra Grande de Lençóis, foi julgado pela 2ª Turma da 4ª Câmara da da 1ª Seção. A companhia também foi adquirida pela Agrícola Quatá, que foi responsabilizada solidariamente.
Nesse caso, a autuação por causa da emissão de debêntures foi mantida por unanimidade. Mas a multa qualificada de 150% foi afastada. Os conselheiros se dividiram quanto à responsabilidade solidária da Quatá. Por maioria, foi mantida.
Prevaleceu o voto do relator, Luiz Augusto de Souza Gonçalves, representante da Fazenda. Ele entendeu que ocorreu um “abuso de exercício de direito” pelo fato de a empresa usar um instituto destinado a captar recursos para economizar tributos.
O relator manteve a solidariedade da Quatá por ela ser do mesmo grupo econômico da empresa que emitiu as debêntures. Gonçalves embasou a responsabilidade solidária no artigo 124 do Código Tributário Nacional (CTN). Segundo o relator, às vezes, a fiscalização não consegue caracterizar a responsabilidade solidária, mas há outros casos em que o Carf já manteve a solidariedade.
De acordo com o advogado Luciano Ogawa, do escritório Mussi, Ogawa, Lazzerotti e Sobral Advogados, que assistiu ao julgamento, a turma aceitou o argumento do Fisco de que a empresa que adquiriu as debêntures conseguiu compensar prejuízos em razão dos juros recebidos pelas debêntures. Mas para Ogawa o mero interesse de fato ou econômico não seria suficiente para aplicação da solidariedade.
Segundo o advogado, o solidário não possuía interesse na redução dos tributos da emissora das debêntures e não tem deveres comuns. “A turma ampliou indevidamente o alcance do artigo 124 do CTN [Código Tributário Nacional]”, disse.
A incorporadora informou, por meio de seus representantes, que aguarda a divulgação dos acórdãos para definir se irá recorrer.
Beatriz Olivon – De Brasília